terça-feira, 22 de outubro de 2013

The Clash - Cut the Crap (1985)


É impressionante o quanto uma obra musical tão rica pode ser encerrada de maneira tão melancólica e ruim quanto à do grupo britânico The Clash. Tida como uma das mais originais bandas de cenário punk, o qual se caracterizava pelo lema "faça você mesmo" e pelas músicas mais simples, o quarteto foi vitimado por alguns fatores que acabaram por prejudicar a sua continuidade - o que foi refletido no seu último disco de estúdio, o fraquíssimo Cut the Crap.

Donos de uma discografia de qualidade ímpar, o Clash sempre mostrou-se um passo além das outras bandas punks, o que pode ser conferido principalmente no seu maior clássico, o LP London Calling. Letras maduras aliadas ao punk rock competentemente fundido com outros ritmos, como ska, reggae, rockabilly, jazz, soul, etc., mostraram que a banda capitaneada por Joe Strummer e Mick Jones (ambos vocalistas e guitarristas) era uma banda única.

O problema é que, ao longo dos anos, o relacionamento pessoal entre Strummer e Jones começou a se degradar, ao ponto de eles não se falarem mais. Além disso, o vício em heroína do baterista Topper Headon fez com que ele fosse demitido do grupo logo após a gravação do disco Combat Rock, fato este que entristeceu todos os outros membros do Clash, visto que ele era querido por todos. Nem mesmo a volta do baterista original, Terry Chimes, para a turnê do disco, contribuiu para que o ambiente melhorasse (no meio da turnê, Chimes saiu e foi substituído por Pete Howard).

Ao começarem as sessões do disco seguinte, o clima entre os membros da banda não poderia estar pior, chegando ao ponto de Jones ser demitido por Strummer e pelo baixista Paul Simonon - diz-se que eles foram influenciados pelo empresário do grupo, Bernie Rhodes. Para o lugar do guitarrista, foi trazida uma dupla de guitarristas - Nick Sheppard e Vince White -, o que possibilitaria a Strummer que ele se concentrasse somente nos vocais. Com o grupo transformado em quinteto, o Clash fez uma turnê na qual não foram tocadas músicas compostas por Mick Jones e privilegiou as músicas mais antigas, cortando as influências de outros ritmos (ou seja: menos ska/reggae, mais "três acordes") do repertório. Ao término da turnê, a banda anunciou que lançaria em breve um disco de estúdio.

Pelo que se sabe, as sessões de gravação foram caóticas, com Rhodes e Strummer brigando pelo controle do grupo. O empresário conseguiu forçar sua participação na produção e na composição das músicas. Os ensaios das músicas aconteciam com músicos de estúdio - somente Strummer e Rhodes participavam dessas sessões, enquanto o resto da banda ia depois para o estúdio gravar suas partes previamente tocadas pelos músicos contratados. E aí houve um problema: enquanto Joe Strummer queria que a banda voltasse às raízes com canções mais simples ao estilo dos dois primeiros álbuns do Clash, Bernie Rhodes tinha vontade de inserir elementos do cenário musical que ascendia na época, o new wave, e acabou vencendo a queda de braço contra o líder do conjunto - Strummer estava simplesmente cansado de tudo que acontecia nos últimos tempos com sua banda, além de ter perdido os pais recentemente.

Além disso, as músicas escritas por Strummer já não eram lá essas coisas: muitas delas eram simplistas demais, como se ele quisesse fazer músicas forçosamente simples. Porém, como não há nada tão ruim que não possa ser piorado, o que o produtor-empresário fez? Simplesmente descartou praticamente todas as gravações dos outros membros da banda, utilizando-se das pré-gravações feitas com músicos de estúdio e - pasmem! - baterias eletrônicas programadas (não esqueçam que ele queria deixar o som mais "moderno"), além de utilizar coros ao estilo "torcida de futebol" e mudar as intenções pretendidas pelo Clash para cada canção. O que poderia ser um disco com músicas fracas, mas divertidas, acabou por se tornar algo extremamente descartável, com uma produção horrorosa e que acabavam ressaltando os defeitos das músicas contidas no álbum. A primeira faixa, "Dictator", mostra bem isso: uma torrente de ruídos eletrônicos sobreposta a guitarras sintetizadas e gravações de noticiários de uma rádio mexicana, enquanto Joe Strummer canta uma letra boba que deixa o ouvinte espantado - esse era o mesmo cara que tinha escrito "London Calling" e "Tommy Gun", caramba! Duvidam? Ouçam a música aí embaixo e me digam se eu estou errado.


Não vou ser injusto: algumas faixas tinham potencial para ficaram, no mínimo, bacanas. Porém, graças à patetada do "produtor" (ênfase nas aspas) Bernie Rhodes, utilizando-se do pseudônimo "Jose Unidos" (pff!!!), elas ficaram simplesmente ruins. Inclusive há vários bootlegs de shows da época em que eles estavam ainda testando as músicas que entrariam em Cut the Crap e com arranjos "puros", sem as intervenções de estúdio; ao ouvir tais bootlegs, a sensação é que daria para sair um disco legal (mas ainda acho que não deixaria de ser o pior álbum da história do Clash). Ouçam uma versão ao vivo pré-estúdio de "Are You Ready for War?" e, a seguir, a versão oficial contida no disco, renomeada (infelizmente) para "Are You Red..y". A diferença é gritante, apesar da música ser a mesma!




Ainda bem que podemos dizer que o disco não é totalmente horrível, principalmente graças a "This Is England", a melhor faixa do álbum, a qual nem a produção conseguiu deixá-la ruim - não é exagero dizer que, se ela tivesse sido lançada em um dos discos anteriores da banda, ela teria se tornado um clássico. Outra faixa que pode ser considerada boa é "North and South", cantada por Sheppard, mas que é prejudicada pelo excesso de teclados.

(Nota: "This Is England" foi o primeiro single do disco, e tinha como lado B as faixas "Do It Now" e "Sex Mad Roar". Estas duas faixas são mais agradáveis de ouvir do que todo o Cut the Crap, visto que toda a formação da banda na época participou da gravação das faixas e não há os excessos de produção cometidos no LP. "Do It Now" também chegou a ser incluída como faixa bônus em relançamentos do disco em CD.)

O problema é que as duas faixas não foram o suficiente para salvar o álbum do fiasco. Assim que Cut the Crap foi lançado, a crítica malhou sem dó o trabalho, e o público odiou aquele pastiche de pós-punk com new wave com uma capa feiosa que tentava ilustrar a ideia de punk moderno pretendida por Bernie Rhodes. A própria banda se manifestou contrária ao disco, divulgando que o resultado final não era o desejado e que o disco seria regravado por eles - o que não aconteceu, já que Strummer, desiludido de vez com tudo, resolveu acabar com o Clash.

O desprezo pelo disco é tanto que ele não é mencionado no documentário The Clash: Westway to the World e em alguns lançamentos de coletâneas e box sets com materiais do grupo, como o box The Clash Sound System, lançado em 2013 e que contém todos os outros discos lançados pela banda, além de raridades e B-sides. A única coisa que se resgata do álbum em alguns lançamentos é "This Is England", incluída em The Essential Clash, Singles Box (juntamente com seus lados B) e The Singles.

É realmente uma pena que esse tenha sido o último álbum de estúdio do Clash, principalmente quando pensamos que Joe Strummer tinha retomado o contato com Mick Jones e estava escrevendo material para uma volta da banda. Um triste fim para a carreira de uma das melhores bandas já surgidas.

O setlist:
  1. Dictator
  2. Dirty Punk
  3. We Are the Clash
  4. Are You Red..y
  5. Cool Under Heat
  6. Movers and Shakers
  7. This Is England
  8. Three Card Trick
  9. Play to Win
  10. Fingerpoppin'
  11. North and South
  12. Life Is Wild
  13. Do It Now (faixa bônus)
A banda na época:
  • Joe Strummer - vocais
  • Nick Sheppard - guitarras, vocais principais em "North and South"
  • Vince White - guitarras (em "Do It Now")
  • Paul Simonon - baixo (em "Do It Now")
  • Pete Howard - bateria (em "Do It Now") 
Músicos participantes do disco:
  • Young Wagner - sintetizadores
  • Norman Watt-Roy - baixo
  • Fayney - bateria eletrônica, vocais em "Play to Win"
  • Bernie Rhodes - programação de bateria eletrônica


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